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Patos,19/09/2024

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MATÉRIA DE VEJA: Novo favorito para presidir a Câmara pode levar dinastia de Patos ao poder

Revista Veja
MATÉRIA DE VEJA: Novo favorito para presidir a Câmara pode levar dinastia de Patos ao poder

A revista veja em sua edição de 13 de setembro, publicou uma matéria falando da dinastia patoense sobre a política. Confira: 

O deputado federal pode ser a estrela maior do clã familiar que comanda uma cidade há mais de setenta anos


Hotel JK em Patos-PB

Em fevereiro de 1962, a cidade de Patos, no sertão da Paraíba, recebeu a ilustre visita do ex-presidente Juscelino Kubitschek. A viagem até a região, localizada a 300 quilômetros da capital, João Pessoa, previa a participação dele na inauguração de um hotel que até hoje carrega as iniciais JK no letreiro. À época, o município tinha pouco mais de 60 000 habitantes, mais caminhões do que automóveis nas ruas e apenas algumas centenas de telefones. A chegada de um político de tamanha estatura era digna de parar a cidade. E assim foi. Passados 62 anos, Patos alcançou quase 110 000 habitantes, ganhou certa fama nacional pela festa típica de São João e atrai mais uma vez os holofotes — desta vez, em razão de um dos filhos da terra. Alçado à condição de fator-surpresa e favorito na disputa pela presidência da Câmara, o deputado federal Hugo Motta (Republicanos-­PB) carrega a expectativa de elevar um representante do povo patoense ao ápice de uma carreira política construída há mais de sete décadas por sua família, que já dava as cartas na região antes mesmo daquela distante incursão de Kubitschek.

Família Motta: avós e pai se revezam no poder desde a década de 50 (Reprodução/Instagram)

SAGA

A saga de Motta não é tão improvável quanto parece. Pelo contrário, pode confirmar uma tradição bem brasileira: a de dinastias de clãs políticos, que transferem poder de geração a geração, estendendo sua influência de diferentes rincões para Brasília. Com 35 anos de idade, discreto e de perfil moderado, Motta cresceu vendo os parentes ocuparem cargos eletivos. Seu avô paterno, Nabor Wanderley, foi prefeito de Patos na década de 1950, enquanto o pai, Nabor Wanderley Filho, foi deputado estadual, é o atual prefeito e tenta, nas eleições de outubro, alcançar o quarto mandato na função. Do lado materno, a avó, Francisca Motta, foi prefeita e vice-­prefeita e agora cumpre, aos 84 anos, o sexto mandato de deputada estadual. Ela ingressou na política após o avô de Hugo, Edivaldo Motta, morrer enquanto exercia o segundo mandato de deputado federal, o mais alto posto alcançado até agora pelo clã. Cercado por políticos e engajado desde cedo na militância do MDB, Hugo Motta não teve dificuldades em seguir a trilha da família. Em 2010, o então estudante de medicina empunhou na campanha a bandeira de que o sertão merecia voltar a ter um representante na capital federal para captar mais investimentos à região.

O caçula do clã foi eleito deputado federal aos 21 anos, a idade mínima para a função, graças ao apoio dos patoenses, que destinaram a ele 50% dos votos do município. Ao chegar à Câmara, Hugo Motta logo tratou de se aproximar de pessoas poderosas. Caso do deputado Eduardo Cunha, que foi líder do MDB, presidente da Casa e articulador do impeachment de Dilma Rousseff — e que acabou cassado e preso após ser abatido por denúncias de corrupção. Motta também se aproximou de Arthur Lira (PP-AL), eleito deputado federal em 2010, e atuou como um dos coordenadores da campanha dele ao primeiro mandato como presidente da Câmara, em 2020. O deputado paraibano ainda foi “adotado” pelo senador Ciro Nogueira, presidente do PP, que gosta de chamá-lo de “filho” e foi o responsável por apresentá-­lo a Marcos Pereira, mandachuva do Republicanos, partido ao qual Motta se filiou em 2018 e do qual é líder na Câmara e vice-presidente nacional. Essa teia de relações ajuda a entender por que Motta já entrou competitivo no páreo da sucessão de Lira. Mas há outro motivo. Em seu quarto mandato seguido na Casa, ele sempre olhou também para o fundão do plenário e se tornou um líder do baixo clero, grupo que não é tão relevante politicamente, mas pode decidir qualquer votação.

Motta com Cunha: proximidade com o ex-presidente da Câmara rendeu influência interna (Jorge William/Agência O Globo/.)

BAIXO CLERO

Por causa desse modo de fazer política, Hugo Motta sempre foi lembrado como uma possibilidade para suceder Lira no comando da Câmara. Até a semana passada, porém, era considerado uma espécie de plano B, já que o deputado Marcos Pereira, presidente do seu partido, era candidato à presidência da Casa e jurava ir até o fim da disputa. O cenário mudou após um desentendimento de Pereira com outro cacique partidário, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, que se recusou a ouvir os apelos pela retirada da candidatura de Antonio Brito. Alertado de que poderia acabar derrotado, Pereira saiu de cena e anunciou que estava lançando Motta como um nome para resolver o impasse em torno da eleição. Assim que foi colocado em campo, o deputado paraibano botou a campanha na rua, batendo à porta do presidente Lula e do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na última semana, Hugo Motta também se reuniu com Arthur Lira e com diversos líderes — entre eles, os do MDB, do PL e do PT. O encontro foi organizado sob o pretexto de comemorar o seu aniversário e vendido por aliados como uma demonstração de força — ou de recebimento de apoio dos presentes. Não é bem assim.

A bancada do PT, por exemplo, só decidirá que posição seguir na eleição da Câmara após as eleições municipais, mas os quadros do partido reconhecem o favoritismo atual de Hugo Motta. A entrada do deputado em cena, com a bênção de Lira, deixou fissuras pelo caminho. Fiel escudeiro do chefe da Câmara, Elmar Nascimento, líder do União Brasil, esperava ser o indicado pelo alagoano, mas enfrentava, havia meses, a resistência do PT, de setores do governo e de colegas do baixo clero. Após a constatação de que acabaria preterido, Nascimento espalhou ter recebido o gesto de Lira como uma traição e prometeu um voo solo em relação a ele, anunciando uma aliança com o conterrâneo Antonio Brito e fazendo uma série de acenos para convencer o Palácio do Planalto de que será um nome confiável se assumir o comando dos deputados. Num gesto carregado de simbolismo, Nascimento se reuniu com o chefe da articulação política, o ministro Alexandre Padilha, desafeto público de Lira, e propôs a formação de uma aliança governista, formada por União Brasil, PSD e outras legendas da base, a fim de vencer a eleição na Câmara. Enquanto o encontro acontecia, os deputados desse possível bloco trabalhavam juntos para barrar o avanço da proposta que anistia os vândalos do 8 de Janeiro, uma bandeira de Bolsonaro.

Hugo Motta em reunião com Arthur Lira: relação com o atual presidente pode definir a eleição a favor do deputado (Douglas Gomes/Liderança//)

EMPUXO

Ex-favorito convertido em azarão, Nascimento também se encontrou com o presidente Lula, de quem ouviu, mais uma vez, que não há veto à sua postulação. O fato é que, apesar de a eleição só ser em fevereiro e haver tempo de sobra para reviravoltas, até auxiliares de Lula admitem que Hugo Motta está em vantagem por enquanto. Como todo concorrente que desfruta dessa condição, ele deve enfrentar uma temporada de ataques até a votação. Nesse processo, sua família, que serviu de catalisador para a sua carreira, pode ser usada contra ele. Em 2016, a avó, Francisca Motta, foi afastada da prefeitura após uma operação da Polícia Federal identificar um esquema que fraudava contratos de locação de veículos. A mãe do deputado, Ilanna Motta, à época chefe de gabinete da prefeita, acabou presa durante cinco dias. Outra operação da PF apurou a malversação de uso de verba federal, com a contratação de empresas de fachada para a construção de obras no município. Durante a investigação, empresários chegaram a tentar firmar um acordo de delação e apontaram para o pagamento de propina a Motta. O clã sempre negou as acusações, e o caso foi arquivado.

Alexandre Padilha: ministro recebe e prestigia Elmar Nascimento (à dir.) (Reprodução/Facebook)

FISSURAS

Nos próximos meses, os interesses e as intrigas de Brasília e de Patos devem caminhar juntos. Na quinta-feira 12, a PF deflagrou uma operação para apurar o superfaturamento de uma obra financiada com emendas enviadas por Hugo Motta à sua terra natal. Principal adversário na corrida pela prefeitura do município, Ramonilson Alves (PSDB) afirma que esperava uma atuação mais “robusta” de Motta e que não há nenhuma obra do deputado de que a população usufrua ou se orgulhe. No ano passado, o parlamentar enviou 20 milhões de reais em “emendas Pix” para municípios da Paraíba, sendo que a maior beneficiária foi a cidade de Patos. “A última vitória do prefeito se deu com base no elemento dinheiro. Há toda uma organização, envolvendo vereadores e cabos eleitorais, de compra de votos. Eles não são benquistos aqui”, afirma o tucano. Já o atual prefeito, claro, rebate as acusações e celebra as conquistas do filho. “O Hugo é jovem, mas muito responsável. Ele já nos ajudou em obras de pavimentação, em convênio para a construção de um centro de comercialização de animais e também enviou recursos para a saúde. E, caso ele seja eleito presidente da Câmara, não tenho a menor dúvida de que vai estar pronto para ajudar o país da melhor maneira possível”, afirma Nabor Wanderley. Depois de sete décadas, o sertão paraibano pode ficar pequeno para o poder da família.

Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910

















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