A vaidade da toga e a discrição da farda
Ministros do Supremo são a última barreira entre crime e legalidade. Jamais deveriam se achar e se comportar como melhores e mais importantes
Desde a deflagração da Operação Contragolpe pela Polícia Federal, que prendeu quatro militares e um policial no dia 19 de novembro de 2024, e o consequente indiciamento de 37 pessoas, dentre elas o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, e seu ex-ministro e candidato a vice, general Braga Netto, por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, a sequência de fatos, divulgados a partir do relatório da PF entregue à Procuradoria-Geral da República, é simplesmente estonteante.
Como no ditado popular, “a cada enxadada, uma minhoca”, a cada uma das quase 900 páginas, pormenorizadamente detalhadas pela Polícia Federal, com provas abundantes dos potenciais crimes praticados por golpistas de alta patente, sob planejamento, atuação e domínio do “mito”, segundo denúncia da própria PF, somos apresentados a episódios de mais pura comédia – como a falta de táxi -, à mais abjeta vilania – como as ameaças de Braga Netto – mas, sobretudo, à personagens que hoje podemos dividir entre heróis e vilões.
Resta cada vez mais claro o papel de ao menos cinco militares (Marco Antônio Freire Gomes, Tomás Ribeiro Paiva, Richard Nunes, André Luís Novaes, Guido Amin Naves e Valério Stumpf) que resistiram à sanha golpista e conseguiram bloquear a disseminação da ideia junto aos comandos militares da Amazônia, do Norte, do Nordeste, do Leste, do Sudeste, do Sul, do Planalto e do Oeste, e à Força Aérea (Carlos Almeida Baptista). Lamentavelmente, segundo a PF, o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, “tinha tanques prontos” para o golpe.
Pérolas aos porcos
Todos estes oficiais, cada um com seu papel e importância, estão marcados para sempre em nossa história, em contraponto imediato a “colegas” como os generais Augusto Heleno, Mário Fernandes e Theophilo Gaspar, além dos coronéis Mauro Cid e Cleverson Ney Magalhães, pois mantiveram-se dentro da legalidade, ainda que lhes custasse pressões e ameaças de toda sorte. Contudo, agora, lhes pergunto, caro leitor, cara leitora: vocês souberam desses fatos? Vocês os ouviram enaltecer a si mesmos? Vocês os viram nomeando-se heróis?
Não? É o que me remete a outra pergunta: por que, então, ao contrário, alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) arvoram-se deuses da democracia? Garantidores do Estado democrático? Guardiões da liberdade e da pátria?
Togados e fardados
Outro dia, Gilmar Mendes disse que “O Brasil seria pior” sem seu colega Xandão – o ministro Alexandre de Moraes. Por quê? Bem, porque tem conduzido com “mão de ferro” o interminável e “cabe tudo” inquérito das Fake News, que, como bem demostrou Felipe Moura Brasil, começou para blindar os próprios ministros.
A diferença de conduta entre togados e fardados é gritante. Uns atuam como pavões e outros, como tartarugas. Enquanto os militares não transigem com os ditames da Constituição, o mesmo não se pode dizer dos ministros.
A importância de ambas as instituições é indiscutível; e idêntica. Exército, Marinha e Aeronáutica são o braço armado da República, sob a égide da tripartição de Poderes. Já os ministros do Supremo são a última barreira entre o crime e a legalidade. Jamais deveriam se achar – e se comportar – como melhores ou mais importantes.
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